A geringonça iniciou o processo de privatização da Caixa
Para evitar o regresso da direita ao poder, BE e PCP estão dispostos a implementar as políticas “neo-liberais” impostas pela União Europeia. Ninguém está no poder de graça.
Isto tem que ser dito e explicado porque a esquerda poderá estar fora do governo se for necessário concluir a privatização. Caberá então à direita fazê-lo, e os partidos de esquerda irão, naturalmente, atacar o processo, apesar de o terem iniciado. Devo dizer que, no passado, fui a favor da privatização da Caixa. Achava que o uso de um banco público para fins privados por parte dos governos não servia a economia nacional. E a vergonha do que aconteceu na Caixa entre 2005 e 2010, com os governos de Sócrates, confirmou os meus receios. Entretanto mudei a minha posição, por causa dos erros e dos crimes cometidos por gestões de bancos privados (em Portugal e na Europa). A privatização da Caixa não a protege da má gestão. O que interessa é o regulador e a supervisão. Ao contrário do BE e do PCP, fico contente que grande parte da regulação e da supervisão estejam em Frankfurt (e em Bruxelas). Sou, assim, agnóstico em relação à privatização da Caixa. É-me indiferente que seja pública ou privada. Quero é que seja bem gerida e que deixe de custar dinheiro aos contribuintes portugueses, por causa de negócios duvidosos feitos com o conhecimento dos governos.
Aqueles que defendem a natureza pública da Caixa não o fazem unicamente para garantir que o Estado seja o único acionista. A natureza acionista não é mais do que um instrumento para prosseguir objectivos de interesse público. Por exemplo, um banco do Estado não se deve guiar por considerações de lucro e de rentabilidade idênticos aos bancos privados. Se o faz, não estará em condições de servir verdadeiramente os interesses públicos dos portugueses. A recapitalização da Caixa mostrou que a necessidade de regressar aos lucros e de competir com bancos privados é mais forte do que o prosseguimento dos interesses públicos. O acionista Estado passou a concorrer com os acionistas do Santander, do BCP e da La Caixa/BPI.
A natureza da união bancária, a qual não atribui aos bancos públicos um regime de excepção, e do mercado único, o qual trata os bancos públicos e privados da mesma maneira, condenam a Caixa a comportar-se como um banco privado, mesmo que o Estado seja o único acionista. A geringonça limitou-se a aceitar o inevitável, mesmo que tenha necessidade de enganar os portugueses para não reconhecer que capitulou. Para o BE e para o PCP, o drama é claro: não concordam com as regras do jogo (a união bancária) mas aceitam jogá-lo apenas para continuar no poder. Aliás, é uma delícia assistir à relação das esquerdas com a Europa. Atacam a União Europeia em geral, mas ajudam a implementar todas as decisões tomadas em Bruxelas.
Vejamos, com um pouco mais de detalhe, os termos da privatização parcial da Caixa imposta pela sua recapitalização. O acionista Estado foi forçado a concorrer com os bancos privados para escolher uma equipa executiva com provas dadas e competente. Foi buscá-la a um banco privado, ignorando o alto funcionalismo público, e alterou a legislação para pagar vencimentos competitivos. A partir de agora, acabaram-se os “jobs for the boys” na Caixa. Acho que o governo fez muito bem e fico bem mais tranquilo com a gestão da Caixa. O BE e o PCP fizeram barulho mas aceitaram. O poder faz milagres.
Em segundo lugar, serão o lucro e a rentabilidade, e não o interesse público, a definirem o encerramento de balcões e os despedimentos. Desconfio que o interior do país e as zonas rurais serão os grandes prejudicados, mas a necessidade de concorrer com privados não deixa alternativas. O BE, o PCP e a CGTP farão barulho, mas vão aceitar. O poder faz milagres.
Por fim, de um modo inédito, o banco do Estado necessita de financiamento privado de mil milhões de euros para se recapitalizar. E a venda das obrigações subordinadas nos mercados será certamente a juros bem altos. Arriscaria a dizer que serão juros a tocar nos dois dígitos (9, 10%). Ou seja, a recapitalização da Caixa, vai permitir que os tão detestados “fundos abutres” venham a ganhar muito dinheiro. E com o apoio do BE e do PCP. O poder faz milagres.
Aqui, a oposição tem uma obrigação de escrutínio. Não pode deixar o Estado colocar as obrigações subordinadas nos balcões para os clientes de retalho. Nas actuais circunstâncias do sistema financeiro, e depois do que aconteceu com o BES, seria um crime. Se isso acontecer, poderemos ter no futuro os “lesados da Caixa”. O governo deve ser obrigado a garantir que isso não acontecerá.
Devo dizer que, no essencial, concordo com os termos da recapitalização da Caixa. O que me espanta é que o BE e o PCP também concordem. Se esta recapitalização tivesse sido feita por um governo de direita, já teria havido manifestações convocadas pela CGTP em todas as cidades de Portugal. Mas o poder faz milagres. A Caixa mostrou até onde o BE e o PCP estão dispostos a ir. E este milagre é enorme. Para evitar o regresso da direita ao poder, estão dispostos a implementar as políticas “neo-liberais” impostas pela União Europeia. Ninguém está no poder de graça. Bem-vindos à política real e à colaboração com os mercados, camaradas.
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