9 de setembro de 2016

«A força dos governos é inversamente proporcional ao peso dos impostos»

 O OE e os mais de 4 mil milhões que os políticos lhe devem
Em Dezembro do ano passado, José Azevedo Pereira, que foi Director-Geral dos Impostos entre 2007 e 2012, deu uma entrevista a José Gomes Ferreira, no programa Negócios da Semana da SIC Noticias. O ex-homem-forte da máquina fiscal, que ocupou o cargo durante quase sete anos, fez declarações bombásticas, denunciando aquilo que disse serem os "buracos" da lei e a impotência do fisco, que permite que quase um milhar de famílias escapem ao pagamento de impostos em Portugal. E que categoria de famílias são essas? Pois bem, precisamente as mais ricas.

Segundo explicou Azevedo Pereira, deste clube de multimilionários residentes em Portugal, cada um com mais de 25 milhões de euros em património e mais de 5 milhões de euros em rendimentos anuais, apenas cerca de 240 estão no radar da máquina fiscal. Destas grandes fortunas só cerca de 25% foram identificadas por uma equipa de trabalho especifica do fisco, criada por imposição da Troika, e que ao que se sabe, foi entretanto desmantelada. Significa isto, que só cerca de 1/4 dos multimilionários que vivem em Portugal paga alguma percentagem de impostos, ainda que muito baixa. Todos os outros vivem numa espécie de "twilight zone", que os torna invisíveis perante a máquina fiscal e lhes permite escapar ao pagamento de impostos. O mais curioso, é que só se sabe da existência em Portugal destas fortunas ocultas, que o fisco não consegue apanhar, por via de organizações internacionais, designadamente a União de Bancos Suiços (UBS), que num estudo recente revelou que, em 2014, havia em Portugal um conjunto de 930 famílias com elevadíssimo património e rendimentos.

E como é isto possível? A explicação é dada sem rodeios pelo ex-Director-Geral dos Impostos e constitui um autêntico murro no estômago do nosso Estado de Direito: os multimilionários influenciam os decisores políticos que fazem as leis. Segundo Azevedo Pereira: "Este é um segmento de contribuintes que tem fácil acesso, em Portugal ou no estrangeiro, aos legisladores e os influencia claramente. Através dos contactos que são feitos com os agentes políticos esta gente consegue facilmente fazer lobbying e criar mecanismos que são tendentes a protegê-los". Perante esta realidade nua e crua, Azevedo Pereira confessa a impotência do fisco: "Se eventualmente a lei cria os seus próprios alçapões e mecanismos para proteger alguns destes interesses não há muito que a administração fiscal possa fazer". As denuncias do antigo responsável pelo fisco não se ficam por aqui e explica os colossais prejuízos que são causados ao erário público por este tipo de práticas: "É importante percebermos que por via de regra estes contribuintes de alto rendimento representam uma parcela muito significativa, sobretudo em países onde a respectiva tributação é levada mais a sério, onde chegam a representar 20% a 25% da tributação em IRS".

E em Portugal, levando em conta a receita cobrada pelo Estado qual é a percentagem de IRS paga pelos multimilionários? Antes de responder, Azevedo Pereira acusa o embaraço com o número que está prestes a revelar e dá a resposta, desta vez desferindo um golpe nos rins do sistema democrático: "O dado não é algo de que Portugal se possa orgulhar, mas não chega a 0,5%." Leram bem? Os detentores de grandes fortunas em Portugal pagam menos de 0,5% do total de impostos cobrados em IRS pelo Estado português, quando noutros países a tributação do grupo de multimilionários chega a representar 25% da receita total deste imposto. O ex-responsável pela administração fiscal afirma que urge "tapar os buracos" de uma lei tributária que permite que os mais ricos se furtem ao pagamento de impostos e que esmaga a classe média com uma brutal carga fiscal. E conclui: "Se me pergunta se eu gosto do resultado, é evidente que não gosto". E remata em tom derrotado: "É o que há".

Pois é, infelizmente é o que há. E a prova de que é assim, está no facto de depois destas declarações do antigo chefe dos impostos, que noutro país qualquer acima da linha do Equador, provocaria um terramoto político e a imediata abertura de uma investigação judicial, a única coisa que este país pariu, foi uma audição parlamentar aos responsáveis do fisco, na sequência de um requerimento apresentado pelo Bloco de Esquerda.

A audição parlamentar limitou-se a confirmar a "taluda" fiscal de que gozam os multimilionários em Portugal e que lhes permitiu terem pago no último ano o equivalente a uns obscenamente míseros 0,37% do total da receita de IRS.

Num documento enviado aos deputados, a Autoridade Tributaria justifica a falta de resultados na "caça" aos multimilionários por diversos factores, como sejam: por estes não se encontrarem registados em nome individual, o que obriga a que as acções de fiscalização do fisco sejam realizadas na esfera das empresas relacionadas com os contribuintes em causa, dadas as dificuldades associadas ao levantamento do sigilo bancário ou por se encontrarem abrangidos pelo sigilo profissional. Os responsáveis da Autoridade Tributária adiantam ainda outros factores que levam a que os super-ricos escapem às permeáveis malhas do controlo fiscal, designadamente: terem um património disseminado por empresas participadas, trusts e fundações; mudarem facilmente de país e de residência fiscal; beneficiarem de acompanhamento especializado por consultores fiscais; e last but not least, possuírem estruturas e contas bancárias em offshores.
Os favores feitos pelos políticos aos lobbies dos multimilionários permitiram criar uma legislação tributária laxista para com os mais poderosos e implacável para com o contribuinte comum e uma máquina fiscal, que é "fraca com os fortes" e "forte com os fracos", que asfixia a classe média com impostos injustos e premeia os mais ricos dos ricos com "borlas" fiscais.

Se os níveis de tributação de IRS aos contribuintes de mais altos rendimentos que se praticam em muitos países europeus se aplicassem em Portugal, o governo português não precisava de ter travado com Bruxelas um braço-de-ferro para a aprovação do OE. Bastava que os quase mil multimilionários que existem em Portugal pagassem o equivalente a 25% da receita total de IRS, tal como acontece noutros países, para que Portugal cumprisse sem dificuldades as metas do défice e crescesse acima das previsões, sem precisar de medidas adicionais. As contas são fáceis de fazer. Tendo em conta a receita fiscal arrecadada pelo Estado com o IRS em 2014, que segundo o INE, foi de 13.385 milhões de euros, se os multimilionários em vez de terem pago o equivalente a 0,37% desse total, tivessem pago o equivalente a 25%, a receita deste imposto teria sido de 17.846 mil milhões. Isto é, teria existido uma receita adicional de 4.461 mil milhões de euros, o que representaria um acréscimo de 2,6% no PIB. Em vez disso, temos uma máquina fiscal que se transformou numa espécie de euromilhões para multimilionários, todos os anos a criar novos excêntricos. Como é bom de ver, a não ser que a classe política ganhe vergonha e intervenha para pôr fim a este crime de lesa-pátria, a impunidade dos mais ricos continuará à solta. 

É o que há.

CORRENTE DE OPINIÃO

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