23 de outubro de 2016

Uma Constituição atípica e “sui generis”

Neste ano comemora-se os quarenta anos da aprovação e entrada em vigor da Constituição, tendo sido concretizadas pelo poder político e não só, várias iniciativas com vista a assinalar a efeméride.
A ideia que é passada, quer pelo poder político, quer por eminentes constitucionalistas, quer também por parte de uma parte significativa da comunicação social, é que a Constituição que temos é óptima, que é amplamente democrática, que garante total liberdade aos cidadãos de tomarem parte na vida política e na condução dos assuntos públicos do país.
Como cidadão e como Advogado, e pese embora não seja especialista em Direito Constitucional, discordo em absoluto da narrativa que nos é impingida de que a Constituição que nos rege é óptima.
Efectivamente, numa primeira leitura ligeira do seu texto, podemos ficar com a ideia de que é óptima e amplamente democrática.
Exemplo disso é o art. 1º da Constituição que diz que Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária; e o art. 2º, onde se lê que a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa; e o art. 48º, que refere que todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.
Todavia, no próprio documento da Lei Fundamental, existem duas normas que, a meu ver, chocam com o disposto nos seus arts. 1º, 2º e 48º.
Com efeito, o art. 46º nº 4, proíbe expressamente organizações que perfilhem a ideologia fascista, que, de acordo com a posição defendida pelos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (dois dos “pais” da Constituição), constitui um limite à formação de partidos políticos. Não perfilho, nem tão pouco defendo a ideologia fascista. No entanto, esta mesma Constituição, que expressamente proíbe organizações que perfilham a ideologia fascista, já permite organizações que perfilhem a ideologia comunista, quer na sua vertente marxista-leninista (PCP), quer maoista (PCTP/MRPP), quer trotskista (BE). Tanto a ideologia fascista como a comunista, defendem a existência de regimes políticos ditatoriais, em que não existe liberdade de expressão, de pensamento e de livre participação na vida política. Não dá, assim, para entender como é que se proíbe organizações fascistas e se permitam as comunistas. Ou se proíbem ambas, ou se permitem todas. Pelo que, a Constituição, ao proibir apenas a existência de organizações que perfilhem a ideologia fascista, está a fazer uma flagrante discriminação e a limitar o direito fundamental de que goza todo e qualquer cidadão.
Outra norma que colide profundamente com o disposto nos seus arts. 1º, 2º e 48º, e para a qual já circularam petições endereçadas ao Parlamento, no sentido da sua revogação, é o art. 288º al. b, que determina expressamente que as leis de revisão constitucional terão de respeitar a forma republicana de governo. Significa isto que, a própria Constituição pode e deve ser revista, de forma a ser adaptada aos dias de hoje, mas nunca se pode é tocar na forma republicana de governo, que é imutável, como se a República fosse uma espécie de “vaca sagrada”, quando, em boa verdade, foi imposta pela força, na sequência de uma revolução que teve na sua origem uma luta fratricida. E a própria Constituição, ao afirmar que todos os cidadãos gozam do direito de participar na vida política do país, impede que se possam pronunciar pela via de um referendo sobre se querem que Portugal seja uma Monarquia ou uma República. No entanto, já foi dada a possibilidade de se referendar a vida humana nos referendos sobre o aborto, não obstante a Constituição expressamente determinar no seu art. 24º que a vida humana é inviolável.
Ao contrário do que é defendido pelo discurso oficial, a nossa Constituição é excessivamente programática e com um acentuado cunho ideológico, com contornos que, a meu ver, se podem considerar atípicos e sui generis, dadas as contradições existentes no seu próprio texto. Entendo mesmo que esta Constituição deveria ser substituída por outra mais simples, menos programática e sem cunho ideológico. Esta é a minha opinião sobre a Lei Fundamental do país, cujos quarenta (40) anos de aprovação e vigência se comemoram no corrente ano.

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