12 de outubro de 2015

Eça é que é essa…

Entre 1865 e 1900, foi o mais mordaz dos nossos escritores, o mais feroz dos nossos críticos. Mas quem diria que, mais de um século passado, muitos dos escritos de Eça de Queiroz continuam plenamente actuais?
O DIABO fez uma selecção de pensamentos do grande escritor que ainda hoje nos assentam como uma luva…
Mal sem cura
No meio de tudo isto, que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más – mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter nem dinheiro ou crédito. Hoje, crédito não temos, dinheiro também não – pelo menos o Estado não tem – e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela Política. De sorte que esta crise me parece a pior – e sem cura.
Democracia
A democracia, saída toda inteira da declaração dos Direitos do Homem, que afirmara soberbamente a sua liberdade e a sua igualdade, encontra no homem um ser mesquinhamente sujeito a todas as fatalidades físicas e a todas as dependências sociais, e não consegue libertá-lo delas – porque contra os direitos do homem, declarados, protestam as realidades da Natureza, experimentadas […]. E, como se isto não bastasse, a própria ciência nega a origem da democracia, que se dizia ser a igualdade natural – provando que a única lei universal é a desigualdade; que o homem, como os outros seres, está sujeito à selecção evolutiva; que o direito das espécies à vida se avalia à proporção da sua capacidade para viver; que quem triunfa e sobrevive é o mais forte; e que, portanto, só há realidade de direito quando há manifestações de força. Diremos ainda que a democracia é uma vitoriosa?
De cócoras
- A política é a ocupação dos ociosos, a ciência dos ignorantes e a riqueza dos pobres.
- E qual é a posição dos deputados?
- Na aparência sentados, por dentro de cócoras.
Sopa dos pobres
Fomos outrora o povo do caldo da portaria [sopa dos pobres], das procissões, da navalha e da taberna. Compreendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana, e fizemos muitas revoluções para sair dela. Ficámos exactamente em condições idênticas. O caldo da portaria não acabou. Não é já como outrora uma multidão pitoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, que o vai buscar alegremente, cantando o Bendito; é uma classe inteira que vive dele, de chapéu alto e paletó. Esse caldo é o Estado.
Parasitas
Nos nossos tempos, o Estado está cheio de elementos mórbidos, que o parasitam, o sugam, o infeccionam e o sobreexcitam.
Europa sem emenda
A situação da Europa, na realidade, nunca deixou de ser medonha. Tem-no sido melancolicamente e apaixonadamente todo este século. Foi-o durante todo o século XVIII. Tem-no sido em todos os séculos, desde que os Árias aqui chegaram.
Errar, errar em tudo
Entre nós tem-se visto governos que parecem absurdamente apostados em errar, errar de propósito, errar sempre, errar em tudo, errar por frio sistema. No momento histórico a que chegámos, porém, cada erro, por mais pequeno, é um novo golpe de camartelo.
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Tagarelice nacional
No nosso canto, com a azulada doçura do nosso céu carinhoso, a contente simplicidade da nossa natureza meio árabe […], nós temos, ao que parece, todas as enfermidades da Europa, em proporções várias – desde o deficit até esse novo partido anarquista que cabe todo num banco da Avenida. E desgraçadamente, alem destes males, uns nascidos do nosso temperamento, outros traduzidos do francês, morremos a mais de outro mal, todo nosso, e que só a Grécia, menos intensamente, partilha connosco: é que, enquanto contra as tormentas sociais nas outras naus se trabalha, na nossa rota e rasa caravela tagarela-se!
É o melhor remédio
Vamos rir, pois. O riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é uma salvação. E em política constitucional, pelo menos, o riso é uma opinião.
A ilusão do voto
Como se não pode dar ao proletário todo o pão que ele necessita, dê-se-lhe ao menos todo o voto que ele reclame.
Como a Grécia
Nós estamos num estado comparável apenas à Grécia: a mesma pobreza, a mesma indignidade política, a mesma trapalhada económica, a mesmo baixeza de carácter, a mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se em paralelo, a Grécia e Portugal.
A arena política
Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações. A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse. A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva. À escalada, sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (…) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade.
Mau cheiro
Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente, e pela mesma razão.
Dependência geral
Diz-se geralmente que, em Portugal, o público tem ideia de que o Governo deve fazer tudo, pensar em tudo, iniciar tudo: tira-se daqui a conclusão que somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados, indignos de uma larga liberdade, e inaptos para a independência. A nossa pobreza relativa é atribuída a este hábito político e social de depender para tudo do Governo, e de volver constantemente as mãos e os olhos para ele como para uma Providência sempre presente.

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