Mal sem cura
No meio de tudo isto, que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más – mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter nem dinheiro ou crédito. Hoje, crédito não temos, dinheiro também não – pelo menos o Estado não tem – e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela Política. De sorte que esta crise me parece a pior – e sem cura.
Democracia
A democracia, saída toda inteira da declaração dos Direitos do Homem, que afirmara soberbamente a sua liberdade e a sua igualdade, encontra no homem um ser mesquinhamente sujeito a todas as fatalidades físicas e a todas as dependências sociais, e não consegue libertá-lo delas – porque contra os direitos do homem, declarados, protestam as realidades da Natureza, experimentadas […]. E, como se isto não bastasse, a própria ciência nega a origem da democracia, que se dizia ser a igualdade natural – provando que a única lei universal é a desigualdade; que o homem, como os outros seres, está sujeito à selecção evolutiva; que o direito das espécies à vida se avalia à proporção da sua capacidade para viver; que quem triunfa e sobrevive é o mais forte; e que, portanto, só há realidade de direito quando há manifestações de força. Diremos ainda que a democracia é uma vitoriosa?
De cócoras
- A política é a ocupação dos ociosos, a ciência dos ignorantes e a riqueza dos pobres.
- E qual é a posição dos deputados?
- Na aparência sentados, por dentro de cócoras.
Sopa dos pobres
Fomos outrora o povo do caldo da portaria [sopa dos pobres], das procissões, da navalha e da taberna. Compreendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana, e fizemos muitas revoluções para sair dela. Ficámos exactamente em condições idênticas. O caldo da portaria não acabou. Não é já como outrora uma multidão pitoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, que o vai buscar alegremente, cantando o Bendito; é uma classe inteira que vive dele, de chapéu alto e paletó. Esse caldo é o Estado.
Parasitas
Nos nossos tempos, o Estado está cheio de elementos mórbidos, que o parasitam, o sugam, o infeccionam e o sobreexcitam.
Europa sem emenda
A situação da Europa, na realidade, nunca deixou de ser medonha. Tem-no sido melancolicamente e apaixonadamente todo este século. Foi-o durante todo o século XVIII. Tem-no sido em todos os séculos, desde que os Árias aqui chegaram.
Errar, errar em tudo
Entre nós tem-se visto governos que parecem absurdamente apostados em errar, errar de propósito, errar sempre, errar em tudo, errar por frio sistema. No momento histórico a que chegámos, porém, cada erro, por mais pequeno, é um novo golpe de camartelo.
Tagarelice nacional
No nosso canto, com a azulada doçura do nosso céu carinhoso, a contente simplicidade da nossa natureza meio árabe […], nós temos, ao que parece, todas as enfermidades da Europa, em proporções várias – desde o deficit até esse novo partido anarquista que cabe todo num banco da Avenida. E desgraçadamente, alem destes males, uns nascidos do nosso temperamento, outros traduzidos do francês, morremos a mais de outro mal, todo nosso, e que só a Grécia, menos intensamente, partilha connosco: é que, enquanto contra as tormentas sociais nas outras naus se trabalha, na nossa rota e rasa caravela tagarela-se!
É o melhor remédio
Vamos rir, pois. O riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é uma salvação. E em política constitucional, pelo menos, o riso é uma opinião.
A ilusão do voto
Como se não pode dar ao proletário todo o pão que ele necessita, dê-se-lhe ao menos todo o voto que ele reclame.
Como a Grécia
Nós estamos num estado comparável apenas à Grécia: a mesma pobreza, a mesma indignidade política, a mesma trapalhada económica, a mesmo baixeza de carácter, a mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se em paralelo, a Grécia e Portugal.
A arena política
Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações. A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse. A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva. À escalada, sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (…) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade.
Mau cheiro
Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente, e pela mesma razão.
Dependência geral
Diz-se geralmente que, em Portugal, o público tem ideia de que o Governo deve fazer tudo, pensar em tudo, iniciar tudo: tira-se daqui a conclusão que somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados, indignos de uma larga liberdade, e inaptos para a independência. A nossa pobreza relativa é atribuída a este hábito político e social de depender para tudo do Governo, e de volver constantemente as mãos e os olhos para ele como para uma Providência sempre presente.
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