21 de dezembro de 2015

Um curriculum que fala por si




Publicado no jornal "O Diabo" de 25 de Janeiro de 2011

“Deus deu aos portugueses, um leito estreito para nascer e o mundo inteiro para morrer”
Padre António Vieira

Quem acompanha os meus escritos sabe que gosto de futebol, mas sou muito crítico relativamente ao que se passa no futebol português.

Mas hoje ao ver José Mourinho (JM), ganhar o prémio da FIFA, de melhor treinador do mundo, confesso que fiquei muito contente. Contente, não só por ver o reconhecimento de uma excelência num determinado campo profissional de um compatriota mas, sobretudo, porque JM fez questão de agradecer o prémio na língua portuguesa e ter afirmado o orgulho na sua nacionalidade. Isto, nos tempos que correm, não tem preço! É um gesto semelhante àquele do General Rocha Vieira, quando encostou ao peito a última bandeira portuguesa que tremulou em Macau. E os gestos são tanto mais importantes quanto mais espontaneidade revelam.

JM não parece um português de agora, tristonho, desmoralizado, descrente das suas capacidades e da vida, sem garra, corrompido nos seus valores; JM parece um português de 1500, inebriado pelas façanhas de Gamas, Albuquerques, Almeidas e Cabrais, pujante, cheio de confiança em si, sem medo de enfrentar Adamastores, fossem eles quais fossem, com Fé no seu destino e cônscio de uma missão que o ultrapassava.

O português de 1500, não receava os estrangeiros e impôs-se-lhes, tal como JM, a quem as fronteiras nacionais um dia constrangeram.

Dizem que JM é arrogante. Não sei se será nem o conheço pessoalmente para ter uma ideia definitiva. Mas não creio que seja. Direi que parece arrogante, mas que o faz por táctica. Uma táctica, aliás, arriscada. Mas o gosto do risco está-lhe na massa do sangue…

Quem por outro lado se emociona com gestos ou palavras, não me parece que seja arrogante. Quem sabe ouvir, também não pode ser arrogante. O que as pessoas se desabituaram foi de assumir a sua auto confiança em público, a encobrirem as suas convicções, a adaptarem o discurso a conveniências.

Por isso, afirmações de JM podem chocar e destoam. A sociedade habituou-se a que a hipocrisia fosse o juro que o vício paga à virtude…

JM só tem de ter a modéstia interior de não se julgar superior a ninguém (pecado que feriu alguns portugueses, século XVI fora) e isso não é incompatível com ser o “special one”.

A inveja vai ser o seu pior inimigo e terá que se blindar contra isso. A aparência da arrogância pode ser parte do processo.

JM é um bálsamo para o país, mesmo quando abraçou aquela ideia absurda, da Federação Portuguesa de Futebol, de o pedir emprestado, por umas semanas, ao Real Madrid para retirar a selecção nacional de apuros. Ele o fez, aparentemente, por patriotismo e por acreditar que poderia ajudar o “onze” português a não ser eliminado do próximo mundial. Mesmo correndo o perigo de ser acusado de ingénuo e de possíveis más reacções dos castelhanos. Estamos em crer que treinar a equipa das quinas é um objectivo muito desejado (não lhe chamaria obsessão), que um dia se realizará e que se deve encarar como natural e não com expectativas sobrelevadas.

JM foi bafejado com dotes de liderança e devia ser exemplo para políticos, sobretudo para aqueles que são falhos de uma Ideia de Portugal; que não respondem à letra a ataques ou indelicadezas de chefes estrangeiros; que genuflectem a cerviz perante Bruxelas ou quaisquer outros interesses estrangeiros; que se afirmam publicamente iberistas (o que configura até, um crime de traição à Pátria), que insistem em falar “castelhanês”, e daqueles que se consagram à guerra civil permanente político – partidária.

E deve também ser um exemplo para todos nós, pois encara a vida de frente, subiu a pulso e soube aproveitar as oportunidades surgidas. Possui carácter e valores e não se lhe conhecem vícios nem vilanias.

Devíamos promover a emergência de Mourinhos em todas as áreas da vida nacional e valorizá-los.

Virou moda em Portugal, afirmar-se que “a minha Pátria é a língua portuguesa” (invocando Pessoa – normalmente só no que lhes interessa). Não concordo nada com esta afirmação, já que a “Pátria” é muito mais do que a língua.

Mas ao ouvir esta última expressão de Mourinho, em bom português, vou esquecer, por esta vez, essa minha convicção.

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