No dia 25 de janeiro, a Ledman, a empresa que poderá vir a tornar-se na principal patrocinadora do segundo escalão do futebol português, anunciou uma verdadeira bomba nuclear desportiva: os dez melhores clubes da II Liga teriam de dividir entre si outros tantos atletas chineses, para além de três treinadores adjuntos. A isto – e aqui é que a fissão acontece verdadeiramente – acrescia a exigência de garantias de utilização dos atletas por parte da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP). No dia seguinte, a fórmula foi suavizada pela Ledman. Os 13 chineses andariam por cá, mas agora sem referências a imposições.
Enquanto a Ledman dizia e contradizia novas regras sobre o funcionamento do segundo escalão do futebol português, a LPFP não fez mais do que uma simples fuga para a frente. «Os pormenores da parceria a celebrar entre Ledman e a Liga Portugal serão divulgados em tempo oportuno», limitou-se a afirmar a organização presidida por Pedro Proença.
Foi preciso esperar até dia 29 de janeiro para o líder da LPFP reagir de viva voz aos ditos e desditos de um patrocinador que surgia pela sua mão. E o que fez Pedro Proença? Afirmou o que devia ter sido afirmado de início e a uma só voz. E passou responsabilidades para os clubes. Quanto a esta última parte, não me espanta. Afinal, Pedro Proença tem-se revelado um líder frágil. Quanto à primeira, é tão óbvia que me surpreende como pôde chegar com vários dias de atraso.
«Obviamente que não há obrigatoriedade de jogadores jogarem minutos. Aquilo que existe neste princípio de acordo – e volto a dizer que é um princípio de acordo que tem de ser ratificado em sede de direção da Liga – é uma grande vontade de podermos dar formação a treinadores, a técnicos, como também a jogadores».
As palavras são de Pedro Proença e revelam um boa intenção. Afinal, poder ajudar na formação de um gigante seria muito útil para a marca do futebol português. Seria marcar terreno desde cedo num mundo ainda com muito por explorar. E esta é, provavelmente, a melhor maneira de uma marca como a do futebol português, de tamanho mediano, se poder tornar verdadeiramente relevante num mercado cada vez mais disputado. Contudo, esta boa ideia conseguiu revelar-se nefasta para a competição portuguesa que devia servir de ponte entre a LPFP e o mercado chinês.
Por cá poucos devem encarar este patrocínio com esperança. A desconfiança prevalece. Afinal, as incoerências que chegaram a público redundam necessariamente em descrédito. O que foi inicialmente proposto foi demasiado grave para não deixar rasto: atentava publicamente contra o mérito, revelando desespero. Em última instância, as competências exclusivas dos clubes e das equipas técnicas eram em parte vendidas à Ledman. E isto cria má fama: qualquer futura iniciativa de formação que acabe por dar minutos de jogo aos atletas chineses na II Liga será sempre ensombrada pela dúvida do tempo patrocinado.
A rebatizada Liga Pro começa imediatamente associada a cargas negativas: uma competição desportiva que contempla a hipótese de vender um dos seus elementos estruturantes não pode atrair muita gente. Nem pode gerar lucro para os seus parceiros. Uns ficam sem interesse, outros ficam sem atenção.
A II Liga – todo o futebol português, em boa verdade – precisa de se tornar sustentável. Mas dinheiro que fira a competição na sua reputação não pode ser solução: o que se ganha em capital monetário perde-se em outros tipos de capital. Desde logo no reputacional. Quem paga para ver o clube da sua terra – são destes que falamos, importa sublinhar – a ser forçado a dar minutos a jogadores chineses? Desvirtuar o jogo e as relações que ele suscita nunca pode ser sequer hipótese.
Este texto é resultado da colaboração semanal entre o Futebol 365 e o blogue marcasdofutebol.wordpress.com. Esta parceria procura analisar o desporto-rei a partir de um ângulo diferente: a comunicação.
«Charters» de dúvidas no patrocínio da polémica
O que está em causa no acordo de patrocínio assinado entre a Liga e uma multinacional chinesa?
Provavelmente o patrocínio mais polémico do futebol português. Anunciada na segunda-feira, a parceria entre a Liga e a multinacional chinesa Ledman lançou rapidamente o debate em torno das contrapartidas desportivas do negócio.
Sobretudo por causa de um parágrafo do comunicado publicado pelo novo patrocinador da II Liga, que anunciava a integração de dez jogadores e três técnicos chineses em equipas da prova, com «taxa de utilização dos jogadores» garantida pela entidade organizadora.
O parágrafo foi apagado entretanto, mas a polémica manteve-se. A Liga reconhece que está disponível para um intercâmbio de formação de treinadores e jogadores, mas diz que o modelo terá ainda de ser analisado em reunião de direção (a próxima está marcada para meados de fevereiro).
Uma taxa mínima de utilização seria antirregulamentar, e por isso não pode constar do acordo, mas em cima da mesma pode estar uma compensação financeira associada ao tempo de jogo. O debate já começou, enquanto se aguarda por mais esclarecimentos da Liga: a chegada de jogadores chineses pode retirar espaço aos jovens valores nacionais? A necessidade de receitas adicionais pode interferir nas opções técnicas? E dessa forma estará a verdade desportiva em causa?
Assinada por Pedro Proença na segunda-feira, com intermediação do empresário Hugo Varela, a parceria luso-chinesa foi também estudada pelo antecessor, Luís Duque. «Existiram contactados avançados com empresas chinesas, incluindo esta, através de um intermediário», assume o antigo presidente da Liga à «MF Total».
Sobretudo por causa de um parágrafo do comunicado publicado pelo novo patrocinador da II Liga, que anunciava a integração de dez jogadores e três técnicos chineses em equipas da prova, com «taxa de utilização dos jogadores» garantida pela entidade organizadora.
O parágrafo foi apagado entretanto, mas a polémica manteve-se. A Liga reconhece que está disponível para um intercâmbio de formação de treinadores e jogadores, mas diz que o modelo terá ainda de ser analisado em reunião de direção (a próxima está marcada para meados de fevereiro).
Uma taxa mínima de utilização seria antirregulamentar, e por isso não pode constar do acordo, mas em cima da mesma pode estar uma compensação financeira associada ao tempo de jogo. O debate já começou, enquanto se aguarda por mais esclarecimentos da Liga: a chegada de jogadores chineses pode retirar espaço aos jovens valores nacionais? A necessidade de receitas adicionais pode interferir nas opções técnicas? E dessa forma estará a verdade desportiva em causa?
Assinada por Pedro Proença na segunda-feira, com intermediação do empresário Hugo Varela, a parceria luso-chinesa foi também estudada pelo antecessor, Luís Duque. «Existiram contactados avançados com empresas chinesas, incluindo esta, através de um intermediário», assume o antigo presidente da Liga à «MF Total».
Duque reconhece também que «estava em cima da mesa dos clubes» a possibilidade de integrar jogadores chineses nos plantéis, mas os moldes ainda estavam em aberto. Ao que apurámos, a proposta contemplava compensações entre 1.000 e 2.500 euros pela utilização de jogadores chineses, consoante o tempo (30, 45 ou 60 minutos, no mínimo). E só pela inscrição desses jogadores e treinadores os clubes recebiam uma verba que podia chegar aos 100 mil euros numa fase mais adiantada do acordo.
«Já temos cá jogadores chineses. Se num plantel de vinte e tal jogadores tens um jogador chinês...não vejo por que não. Se não for chinês será brasileiro ou de outra nacionalidade qualquer», defende Duque.
O dirigente fala da II Liga como uma «prova atrativa, mas que tem sido mal tratada nos últimos anos». «Tem de ser aproveitada. Promover o jogador português mas também ter financiamento. E se a ajuda vier da China, e se isso implica ter um jogador no plantel, sem obrigatoriedade de jogar, não vejo como isso possa atrapalhar a afirmação do jogador português», complementa.
As propostas estudadas pela direção de Luís Duque contemplavam também o «naming» da prova e a possibilidade de transmitir jogos da II Liga na China, tal como agora se perspetiva, mas se antes a Comissão de Clubes teve participação direta na negociação, agora esta acompanhou à distância.
«Luís Duque apresentou-nos este possível parceiro, e desde aí a Comissão de Clubes esteve em negociações. Na segunda reunião apresentei-lhes uma proposta de topo, muito dura e firme, mas completamente em sintonia com a realidade. Ficámos a aguardar uma resposta. Eu tentava entrar em contacto com eles e eles diziam-me que estavam a analisar a nossa proposta. Uns tempos depois somos confrontados com esta notícia de que iam patrocinar a II Liga e que este era um acordo celebrado entre a empresa e o atual presidente da Liga», explica José Godinho, presidente da Oliveirense e da Comissão de Clubes da II Liga, citado pela agência Lusa.
O dirigente admite vir a «bater palmas de pé» a Pedro Proença, mas para já fica à espera dos detalhes do negócio.
O Sindicato de Jogadores também foi apanhado de surpresa, mas entretanto o seu presidente já conversou telefonicamente com Proença. «Garantiu-me que estavam salvaguardadas as condições que o Sindicato considera fundamentais. Tive o cuidado de pedir que acautelasse o escrutínio e a idoneidade dos investidores. Há vários investidores que aparecem no futebol português sem qualquer idoneidade, e que em vez de resolverem os problemas acabam por agravá-los. É fundamental saber quem são os investidores», diz Joaquim Evangelista à «MF Total», destacando também a necessidade de «acautelar que este negócio nada tem a ver com o fenómeno mundial dos resultados combinados, que tem epicentro na Ásia».
«Já temos cá jogadores chineses. Se num plantel de vinte e tal jogadores tens um jogador chinês...não vejo por que não. Se não for chinês será brasileiro ou de outra nacionalidade qualquer», defende Duque.
O dirigente fala da II Liga como uma «prova atrativa, mas que tem sido mal tratada nos últimos anos». «Tem de ser aproveitada. Promover o jogador português mas também ter financiamento. E se a ajuda vier da China, e se isso implica ter um jogador no plantel, sem obrigatoriedade de jogar, não vejo como isso possa atrapalhar a afirmação do jogador português», complementa.
As propostas estudadas pela direção de Luís Duque contemplavam também o «naming» da prova e a possibilidade de transmitir jogos da II Liga na China, tal como agora se perspetiva, mas se antes a Comissão de Clubes teve participação direta na negociação, agora esta acompanhou à distância.
«Luís Duque apresentou-nos este possível parceiro, e desde aí a Comissão de Clubes esteve em negociações. Na segunda reunião apresentei-lhes uma proposta de topo, muito dura e firme, mas completamente em sintonia com a realidade. Ficámos a aguardar uma resposta. Eu tentava entrar em contacto com eles e eles diziam-me que estavam a analisar a nossa proposta. Uns tempos depois somos confrontados com esta notícia de que iam patrocinar a II Liga e que este era um acordo celebrado entre a empresa e o atual presidente da Liga», explica José Godinho, presidente da Oliveirense e da Comissão de Clubes da II Liga, citado pela agência Lusa.
O dirigente admite vir a «bater palmas de pé» a Pedro Proença, mas para já fica à espera dos detalhes do negócio.
O Sindicato de Jogadores também foi apanhado de surpresa, mas entretanto o seu presidente já conversou telefonicamente com Proença. «Garantiu-me que estavam salvaguardadas as condições que o Sindicato considera fundamentais. Tive o cuidado de pedir que acautelasse o escrutínio e a idoneidade dos investidores. Há vários investidores que aparecem no futebol português sem qualquer idoneidade, e que em vez de resolverem os problemas acabam por agravá-los. É fundamental saber quem são os investidores», diz Joaquim Evangelista à «MF Total», destacando também a necessidade de «acautelar que este negócio nada tem a ver com o fenómeno mundial dos resultados combinados, que tem epicentro na Ásia».
O líder sindical lembrou o acordo celebrado recentemente com a Liga, no qual os jogadores aceitaram reduzir a massa salarial para promover a aposta dos clubes nos jovens. «Queremos que esse compromisso continue a ser garantido. A II Liga e as equipas B têm uma natureza própria, são espaços de transição para o jogador português», defende.
Evangelista reconhece que a II Liga «precisa de investimento e sustentabilidade», pelo que um bom acordo de patrocínio «é bem-vindo, desde que tenha regras». «É inaceitável que um grupo económico interfira nas escolhas desportivas, direta ou indiretamente. Os clubes não devem aceitar isso», acrescenta, mostrando-se desfavorável a uma compensação financeira associada à utilização dos jogadores chineses.
Opinião diferente tem Mauro de Almeida, antigo diretor-geral do Oriental Dragon,um clube criado em Portugal para promover o desenvolvimento de jovens jogadores chineses.
«Parece-me um acordo benéfico, desde que seja regulamentado, para ser perceber bem como funciona a utilização dos jogadores», começa por dizer. «Já existem jogadores em Portugal que chegam através de fundos ou empresários e que têm obrigatoriamente de jogar. Toda a gente sabe isto no futebol», acrescenta.
Vítor Oliveira diz o mesmo. «Isso já existe. Existem empréstimos nos quais a utilização do jogador reduz os encargos de quem o recebe. Quanto mais joga, menos o clube paga. E se não joga aumenta o encargo, o que leva muitas vezes o clube a prescindir deles. Isso já existe, são contratos por objetivos. Isso não me choca», explica o técnico do Desportivo de Chaves, com vários anos de experiência na II Liga.
Questionado se isso não pode promover eventuais pressões dos dirigentes sobre os técnicos, numa tentativa de obter mais lucro com os jogadores chineses, Vítor Oliveira admite tal cenário: «Mas isso é um problema dos clubes, e não dos chineses. Os presidentes devem ter em conta as questões financeiras, mas não podem esquecer a vertente desportiva, que também ajuda nas contas.»
Evangelista reconhece que a II Liga «precisa de investimento e sustentabilidade», pelo que um bom acordo de patrocínio «é bem-vindo, desde que tenha regras». «É inaceitável que um grupo económico interfira nas escolhas desportivas, direta ou indiretamente. Os clubes não devem aceitar isso», acrescenta, mostrando-se desfavorável a uma compensação financeira associada à utilização dos jogadores chineses.
Opinião diferente tem Mauro de Almeida, antigo diretor-geral do Oriental Dragon,um clube criado em Portugal para promover o desenvolvimento de jovens jogadores chineses.
«Parece-me um acordo benéfico, desde que seja regulamentado, para ser perceber bem como funciona a utilização dos jogadores», começa por dizer. «Já existem jogadores em Portugal que chegam através de fundos ou empresários e que têm obrigatoriamente de jogar. Toda a gente sabe isto no futebol», acrescenta.
Vítor Oliveira diz o mesmo. «Isso já existe. Existem empréstimos nos quais a utilização do jogador reduz os encargos de quem o recebe. Quanto mais joga, menos o clube paga. E se não joga aumenta o encargo, o que leva muitas vezes o clube a prescindir deles. Isso já existe, são contratos por objetivos. Isso não me choca», explica o técnico do Desportivo de Chaves, com vários anos de experiência na II Liga.
Questionado se isso não pode promover eventuais pressões dos dirigentes sobre os técnicos, numa tentativa de obter mais lucro com os jogadores chineses, Vítor Oliveira admite tal cenário: «Mas isso é um problema dos clubes, e não dos chineses. Os presidentes devem ter em conta as questões financeiras, mas não podem esquecer a vertente desportiva, que também ajuda nas contas.»
Relativamente à polémica com a suposta obrigatoriedade de utilização dos jogadores chineses, Vítor Oliveira desvaloriza-a: «Não pode ser verdade. Não acredito. Nem pode ser aceite pelos clubes. O acordo não pode condicionar a construção de um plantel, as escolhas do técnico. Devemos esperar pelas explicações do presidente da Liga. Não me passa pela cabeça uma obrigatoriedade.»
O técnico considera, por isso, que seria «extremamente benéfico ter um patrocinador que ajudasse os clubes da II Liga, que tem pouco dinheiro». «As receitas, os patrocínios, os associados...caiu tudo. Há pouco dinheiro, pelo que esse seria um bom indicador», justifica.
Vítor Oliveira perspetiva um «intercâmbio de jogadores, com uma utilização consoante a qualidade dos jogadores e as opções dos treinadores», mas Mauro de Almeida lança outra questão: «Quais os jogadores que vão jogar cá? Os melhores chineses estão nas equipas mais poderosas de lá, que têm enorme capacidade financeira. Não serão esses. Se são atletas que vão receber formação, então provavelmente não vão estar preparados para jogar com regularidade no primeiro ano. Têm qualidade, mas precisam de ser trabalhados. Não existe formação na China.»
Mais uma questão para juntar à lista, à espera do regresso de Pedro Proença. «Charters» de dúvidas, como diria Paulo Futre, que já em 2011 queria apostar forte no mercado chinês.
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