6 de novembro de 2012

Mudem a Constituição mas esqueçam os partidos

Lembram-se da Islândia, que se incendiou em 2008 na crise financeira e numa sangria de depósitos bancários? Pois bem, está de volta e os islandeses aprenderam bastante com um processo traumático que acaba agora com uma revisão constitucional.

A Islândia afundou, refundou o Estado e voltou. A banca e os políticos deixaram de ser de confiança

Primeiro, os 320 mil habitantes da ilha perceberam que o poder político e financeiro não é de fiar. Só 11% do eleitorado confiam no Parlamento, pouco mais do que nos bancos (6%) e a milhas da polícia (80%). Como quase todos falharam (menos a polícia), há urgência em rever a Constituição.
O texto é popular, feito à medida de três centenas de milhares de pessoas, mas é fabuloso nas suas certezas. Recursos naturais? São inalienáveis. Exploração de bens do Estado? Só com prazos bem definidos. Compadrio no governo? "Os ministros só podem nomear com recomendação de um comité independente. Segredos de Estado? Só os essenciais, porque o resto da informação "deve estar disponível sem barreiras a todos e a lei deve assegurar o acesso às informações do Estado", escreve Thorvaldur Gylfason em From Crisis to Constitution.
Escaldados com a crise, os islandeses também retiraram do texto todos os predicados financeiros. Não há nada na Constituição que ponha limites quantitativos à dívida e ao défice, sabendo eles que todas as previsões económicas são frágeis e falíveis. Melhor: não faltam artigos constitucionais relacionados com a liberdade de informação, acesso a dados e nomeação de cargos, mas só lá estão para prevenir que uma nova crise aconteça. Não há bancos nem referência a instituições financeiras - não vale a pena pôr no texto magno o que vai de certeza falir.
A experiência é limitada na dimensão mas útil neste debate para afundar - desculpem, refundar - o Estado. A Islândia parte do que será o nosso pressuposto daqui a uns anos: todo o poder político falha e o poder financeiro tem interesse próprios. Os dois raramente se coadunam com o interesse público e não há mal nenhum nisso: só é preciso perceber que não podemos estar nas mãos dos dois.
A nova Islândia não é de esquerda nem de direita: é coletiva e avessa a desvarios capitalistas. A legitimidade e a organização social vêm de baixo, não são impostas. Houve pobreza e falências, contas vazias e investidores zangados, mas no fim, a Islândia está a dar a volta. Há vida para além do défice.


"Não é possível" resolver problemas complexos "em democracia"

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