30 de janeiro de 2014

Como é que se diz depois queixem-se em francês?

Um espectro percorre a Europa austeritária, mas, hoje, desgraçadamente, é o do crescimento das heterogéneas forças de extrema-direita nas próximas eleições europeias em muitos países. O caso da francesa Frente Nacional (FN), que continua a aparecer à frente nas sondagens para as europeias, é o que tenho acompanhado com mais atenção. Destaco o seu enraizamento popular – metade da classe operária declara votar FN e deteta-se uma forte relação entre desemprego e implantação a nível regional – e destaco a viragem programática operada por Marine Le Pen no campo da economia política: do populismo neoliberal do pai, anti-impostos e anti-regulação, de resto já em mudança desde os anos noventa, passou para uma plataforma que, em certa medida, se apropriou de diagnósticos e propostas elaboradas sobretudo por intelectuais críticos à esquerda, da desindustrialização à desglobalização, passando pelo apontar o dedo ao elefante na loja de porcelana chamado euro.


Com ironia feroz, Frédéric Lordon chama a atenção para a forma como este processo de parasitagem deixa certos sectores da esquerda com complexos, podendo levar, por um medo absurdo de associações espúrias, a um total vazio programático neste campo.


A FN conquista um novo fôlego porque à sua maneira está a conseguir monopolizar partidariamente a fusão da questão social e da questão nacional, o mais potente combustível político. Fá-lo, articulando exigências de segurança de um eleitorado popular acossado pelo desemprego, pela austeridade e pela globalização, injectando-as com os elementos xenófobos e islamofóbicos tão tradicionais da sua plataforma quanto tóxicos, mas que só com muita má-fé ou com muita ignorância podem ser declarados como estando associados a um indispensável programa soberanista e democrático. A FN fá-lo com sucesso, também porque a esquerda partidária, e aqui posso generalizar muito mais do que gostaria, perde, em larga medida, por falta de comparência programática no plástico terreno do nacional, atrelada que está às ilusões de reforma do euro, de uma outra globalização e a outras apostas de futuro mais do que duvidoso, até porque sem contacto com as aspirações populares. O PCF é neste campo um exemplo que contrasta com os melhores momentos da sua história.Esta perda por falta de comparência tem declinações europeias e está patente, por exemplo, nas decisões do congresso do Partido da Esquerda Europeia, onde o PCF tem naturalmente influência. A decisão, ainda que com vários cuidados, de participar, com Alexis Tsipras, numa ilusão federalista, a da “eleição” para Presidente da Comissão Europeia, sendo que é o Conselho, e bem, que tem a última palavra, é sintomática de impasses mais vastos.


No fundo, enquanto a esquerda não enfrentar os três tabus, diagnosticados por Aurélien Bernier, que foi quem, tanto quanto sei, cunhou a ideia de desobediência, que ajudámos a trazer para o debate nacional – Europa, Estado-Nação e globalização, ou seja, desobediência a sério, recuperação da soberania no campo socioeconómico e um certo proteccionismo –, quem cresce é a FN. Como é que se diz depois queixem-se em francês?

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