E perguntam os sócios, concentradíssimos: porquê achar que ser do Sporting é o mesmo que ir a um Clube de striptease?
Porque não é qualquer um que lá entra, é um espaço eclético, refinado, de posse, de jet set. Requer algum esforço, intensa dedicação e extrema devoção, um dia poder, atingir essa glória.
O porteiro, é o presidente do clube. É nele que esbarro todos os dias mas, simpatizo, tento fazer com que goste de mim e a quem dou o meu voto de qualidade. É ele, quem todos os dias defende, com unhas e dentes, as cores da camisola. Confio no seu juízo, porque sem ele, não faria parte deste clube. É ele quem oficializa o meu estatuto de sócio.
Para me inscrever pago uma jóia, o consumo mínimo para fazer parte de tão restrito grupo. Com o tempo, vêm o regime de quotização ou senhas: uma quota – um jogo, toma lá – dá cá. Com o passar dos anos, o tratamento privado, o ser doutor, o leão de ouro com direito a garrafa de whisky e tudo.
Os preços dos bilhetes, esses variam. Vão do obsceno ao apenas exorbitante, dependendo da competição que quero assistir: liga dos campeões, primeira liga, ou taça.
Mas quando a nossa equipa sobe ao relvado, quando o grupo de trabalho saúda os espectadores, quando o jogo começa, não existem valores proibidos. É o palco de todos os sonhos.
A servir às mesas está o treinador, que me atende os pedidos, tira as dúvidas, me dá a táctica, me ensina o esquema. Sabe que não ganha o mesmo que as estrelas do clube mas respeita-me. Sabe que sem o carinho dos adeptos, e se houver assobiadela, corre o risco de ser substituído. E já foram tantos os empregados.
As claques fazem-se representar pelas despedidas de solteiros, grupos organizados, onde todos falam alto e ao mesmo tempo com um interesse comum: ver tudo menos o jogo.
O árbitro, sempre atento, a ver se meto mão à bola. Uma vez – cartão amarelo. À segunda – vermelho directo e o melhor mesmo é mudar de clube.
Os planteis, sempre riquíssimos e variados. Num ano o clube aposta no leste da Europa, no outro, abre os cordões à bolsa e manda-se para a América do Sul. Moldávia e Roménia versus Brasil e Brasil. Juventude e irreverência contra experiência e regularidade. Tudo ali, à minha espera, tal grande artista, de super levezinho, a equipar-se nos balneários.
No meio desta academia de valores, a prata da casa, a idade menor, os juniores, que de uma temporada para a outra, para mal dos meus pecados e por meia dúzia de tostões, segue a dança, rumando a destinos longínquos e promissores.
Sucedem-se assim os anos, neste clube.
São épocas de esperança, sem falhar uma jornada, indiferente aos maus resultados, sem nunca faltar à chamada, ocupando aquele lugar cativo e sempre com o mesmo pensamento na cabeça: desta é que vai ser! Mas não é. E nunca há direito, a mais um minuto que seja, de tempo de compensação.
A música, essa, é sempre a mesma. Não muda nunca. Sou o DJ e o disco. O meu clube é o hit de verão, a colectânea esperada, o top of the top: é o maior. Sei que existem outros bares na vizinhança que me deixam de trombas às vezes, outros nas redondezas, verdadeiras pérolas, mas, este é o meu bar, o meu clube, o meu amor.
Lá vou ficando, fiel e sem vacilar, dando tudo o que tenho, despido de preconceitos, agarrado ao verde e branco daquele varão de fé e desejo, deixando a nu a realidade, onde me contorço pela negação daquele prazer, daquele título que, estando ali tão perto, uma vez mais se serpenteia para o fundo do túnel numa exótica coreografia, insistindo em fugir das minhas mãos a sete pés.
Passo assim os dias, indo aos treinos, sonhando, acreditando, prevendo, suspirando que “hoje é que vai ser!”. Sempre que tal não acontece, e tantas que são essas vezes, esfrego as mãos nos calos da certeza de que foi apenas mais uma jornada que correu menos bem.
E como sabe bem desabafar no flash interview do café do bairro, com os amigos, cúmplices de clube e de assiduidade – contar na primeira pessoa o que correu bem, o que correu mal, por quanto correu mas, com a cabeça já na jornada seguinte.
Só com um milagre haverei de materializar em conquista o esforço de tanta jornada, de tanta época. Passam-se anos, décadas, um jejuar infinito, eis que quando e já quando ninguém acreditava ser possível, no mais privado dos meus sonhos, o barulho ensurdecedor do rugido de uma rolha a fugir de uma garrafa do champanhe mais caro, dá-me o primeiro lugar, dá-me o campeonato. Há leão! Sou finalmente o maior, o melhor dos melhores. A liga já cá canta, ganhei este campeonato, e este, já ninguém mo tira. Custou mas, que sabor teve esta conquista. A prova que enquanto há visa, há esperança. E volto a fazer parte do maior clube do mundo. Festejo até de manhã, achando-me dono de tudo sem me lembrar de nada. E sem um tostão no bolso, lá vou eu trabalhar, ainda bêbado do fim-de-semana, na segunda, a circular de taça na mão.
Saudações Leoninas
André Ferreira
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