19 de setembro de 2014

"A transferência de rendimentos do trabalho para o capital"

Entre o início da crise financeira de 2007/2008 e o final de 2013 assistiu-se, em Portugal, a uma transferência de riqueza do factor trabalho para o capital de grandes proporções, indicam vários economistas.

Pedro Ramos, professor catedrático da Universidade de Coimbra e antigo director do departamento de contas nacionais do Instituto Nacional de Estatística (INE), fez os cálculos e apurou que o peso do trabalho por conta de outrem e por conta própria desceu de 53,2% do produto interno bruto em 2007 para 52,2% em 2013.

Já o excedente de exploração (rubrica que reflecte a remuneração do factor capital) - apesar da grave crise que se abateu sobre o Estado, os bancos e as pequenas e médias empresas - aumentou o peso na economia de 27,8% para 29,7% do PIB.

As rendas, que traduzem grosso modo o valor da remuneração do imobiliário, avançaram de 5,8% para 6,2%. Cálculos do Dinheiro Vivo com base naqueles dados, evidenciam que, em termos nominais, o factor trabalho (no qual até já está contabilizado o enorme aumento de impostos dos últimos anos) conseguiu perder 3,6 mil milhões de euros.

Já o excedente do capital engordou 2,6 mil milhões de euros. As contas do economista foram apresentadas em primeira mão, esta semana, no colóquio "A transferência de rendimentos do trabalho para o capital", organizado pelo Observatório sobre Crises e Alternativas, ligado à Universidade de Coimbra.

Nesse encontro, Pedro Ramos, especialista em contabilidade nacional, avançou com esta análise "pouco comum": o PIB na óptica dos rendimentos.

As abordagens normais publicadas pelo INE (ópticas da procura e da oferta) não permitem este tipo de análise mais fina. O objectivo, disse o ex-quadro do INE, é tentar dar pistas mais sólidas sobre o que já há muito se suspeitava: a crise, e em especial o programa de ajustamento da troika, permitiu extrair valor ao factor trabalho ao mesmo tempo que enriqueceu o capital.

"Estranho", um "fenómeno novo", referiu. "Sabemos que nas crises económicas as empresas têm prejuízos, as crises atingem os accionistas. Existe portanto perda de valor ao nível dos excedentes de exploração", observou o académico. Não foi o que aconteceu.

"É especialmente estranho que exista, nesta crise, um aumento do peso do excedente de exploração, rubrica que no fundo reflecte a remuneração do capital na economia", observou. Mais: também as rendas do imobiliário reforçaram o peso seja em proporção do PIB, sem em termos nominais. O ganho foi de quase 451 milhões entre 2007 e 2013


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