12 de setembro de 2015

O Verão quente, há 40 anos

Eu era rapaz, mas lembro-me bem. Há dias, quando o meu neto me perguntou o que foi, afinal, o infamoso PREC, pus-me a recordar.
Militares guedelhudos, de camisa aberta e boina às três pancadas, a gritarem no Rossio, de punho fechado: “Soldados e marinheiros unidos vencerão!”. Empresários sequestrados pelos empregados. Tanques da tropa intimidando os transeuntes na Avenida da Liberdade. Militantes comunistas mascaradas de ceifeiras na abertura dos telejornais.
Locutores do telejornal a darem vivas à “reforma agrária”. As empresas paradas, os trabalhadores em greve ou em plenário, a economia de pantanas. Racionamento de leite por falta de produção. Limites de levantamento de dinheiro dos bancos. Pessoas passando a fronteira com dinheiro escondido nos carros para o depositarem em bancos estrangeiros. Alferes fanatizados dirigindo a “dinamização cultural” socialista em aldeias de Trás-os-Montes. Aldeões de Trás-os-Montes desejosos de pegarem no pau e “dinamizarem” os alferes.
Falsos operários de capacete e fato-macaco a comerem lagosta nas cervejarias à volta do estaleiro da Lisnave. Os mesmos falsos operários a gritarem no Terreiro do Paço por “pão”. O Parlamento sequestrado, com os deputados sem poderem sair ou receber comida. Os deputados comunistas apanhados na petisqueira fornecida pelos sequestradores. Votações de braço no ar, com o controleiro do partido a ver se alguém se atrevia a votar contra.
A imprensa limitada a transcrever comunicados e contra-comunicados espalhando ódio. A rádio histérica. A televisão revolucionária até nos desenhos animados. Anúncios de gente perseguida a jurar que nunca foi da PIDE. Juramentos de bandeira em que soldados de cabelos pelos ombros e de punho erguido se declaravam “ao serviço da classe operária”. O país às ordens de ex-capitães de artilharia alcandorados em “conselheiros da revolução”.
Cantigas repetidas à exaustão na telefonia: “agora o povo unido”, “uma gaivota voava voava”, “força força companheiro Vasco”. Padeiros que só queriam trabalhar de dia, como as outras pessoas. A “cintura industrial” a não querer trabalhar, nem de dia nem de noite. Nacionalizados os bancos, as seguradoras, as empresas industriais, as firmas de vão de escada. Discordante a ser sinónimo de “fascista”. Milhares de “retornados” chorando a perda de todos os haveres, vestidos com a mesma roupa que envergavam no dia em que fugiram de Luanda. Contentores cheios de pequenos nadas enchendo o cais de Alcântara.
Sindicalistas dando ordens aos gestores. Centenas de partidos políticos enchendo as ruas, as paredes, a comunicação social e a cabeça dos portugueses com “palavras de ordem”, “denúncias, “protestos” e exigências”. Casas particulares saqueadas e ocupadas. Reivindicações de aumento de salário dia-sim-dia-sim. Militantes da extrema-esquerda levantando barricadas em ruas e estradas, revistando os carros e “prendendo” a seu bel-prazer “fascistas” e “reaccionários”. O primeiro-ministro Vasco Gonçalves a espumar pela boca e a ameaçar de morte os “fascistas”, num discurso transmitido pela RTP. Oficiais subalternos de ontem ostentando hoje estrelas de general.
Políticos do regime deposto a defenderem o socialismo, a sociedade sem classes e o extermínio da “reacção”. Paredes onde não havia um centímetro que não estivesse tapado por cartazes partidários. Ataques armados a comícios de partidos moderados. Mandados de captura assinados em branco por “heróis da revolução”. Anarquia nos quartéis, nas repartições, nos bancos, nos correios, nas empresas, nas casas. Lavagem ao cérebro na comunicação social.
Pornografia e violência nos cinemas e nos teatros. Toda a gente aos gritos. Um “tribunal popular” a “ilibar” um assassino e a “condenar” postumamente o assassinado, por ser “inimigo do povo”. Bombas a atirarem pelos ares as antenas da emissora da rádio católica. Carros voltados a arder nas ruas. Atentados bombistas.
Sim, lembro-me bem, meu querido neto…

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